As perigosas leis do Dubai que podem transformar uma viagem de sonho num pesadelo (2024)

Em janeiro, o jovem inglês de 24 anos, jogador de futebol semi-profissional, decidiu deixar Londres para trás e mudar-se para o Dubai, onde se tornou treinador de camadas infantis. Tudo corria bem até que, ao fim de poucas semanas, a polícia lhe bateu à porta.

A busca acabaria por encontrar um pequeno recipiente de óleo de CBD no carro de Billy Hood, uma substância obtida a partir da canábis e que, apesar de ter pequenos vestígios de THC — a componente psicoativa da planta — é legal na maioria dos países ocidentais, onde é usada para fins medicinais: do tratamento de insónias e epilepsias a outras condições mais complicadas. A política de tolerância zero das autoridades dos Emirados Árabes Unidos não perdoou.

Hood, que alegou que o óleo terá sido deixado por um amigo que o visitou dias antes, foi levado a tribunal e condenado a 25 anos de prisão, acusado da posse, venda e tráfico de drogas. A seu favor, as autoridades alegam ter na sua posse uma confissão assinada pelo britânico. Um documento escrito em arábico, língua que o inglês desconhece.

Destino de férias de muitos ocidentais e atualmente a casa da grande Expo mundial que arrancou em outubro e dura até março de 2022 — e que promete fazer disparar ainda mais o número de visitantes —, a posição inflexível da justiça do Dubai tem levantado polémica.

O caso de Hood chegou rapidamente à imprensa e está nas mãos da Detained in Dubai, um grupo de advogados e juristas especializados nos muitos imbróglios jurídicos que ocorrem entre turistas e expatriados e a justiça dos Emirados Árabes Unidos.

“Confissões forçadas e coagidas são muito comuns no Dubai”, explica Radha Stirling, CEO do grupo e ativista pelos direitos humanos, que frisa que as sentenças nestes casos são muito duras. A posse de uma pequeníssima quantidade de droga pode dar origem a uma pena mínima de quatro anos de prisão e, no limite, ir até à pena de morte.

Hood terá sido colocado imediatamente numa cela de isolamento durante duas semanas, sem acesso sequer a produtos de higiene, revela a família. “Quando o levaram para a unidade de drogas, foi agredido durante cinco dias, foi esbofeteado, alvo de um taser e alimentado a pão e água”, revela o agente Alfie Cain, que tem estado em contacto com o britânico.

Sem solução à vista, a visibilidade dada ao caso pela imprensa pode ajudar a resolver a questão, até porque, explica a Detained in Dubai, a má publicidade impele normalmente o governo a intervir junto da justiça para resolver da melhor forma os casos. Outros ficarão por resolver.

“O governo dos EAU é apenas uma entidade gigantesca de relações públicas. Se acreditam que um caso vai ter repercussões negativas, o governo fala com a polícia e as queixas são retiradas”, explica Stirling em entrevista ao “The New York Times”.

“Os EAU investem no marketing e em relações publicas para se apresentarem como um país seguro e acolhedor, mas têm falhado em avançar com as melhorias necessárias para que um país funcione. Se o sistema judicial não funciona, todos estão em risco”, frisa Stirling.

A verdade é que ao longo da última década, não faltam relatos de casos semelhantes aos de Hood. Turistas e expatriados têm sido um alvo da justiça de mão pesada; e apesar de na sua maioria, serem resolvidos com uma multa e uma deportação, passar nem que seja um dia na cadeia está longe de ser o plano ideal para um visitante à procura de diversão e relaxamento num dos destinos turísticos mais procurados em todo o mundo.

Apanhados entre leis bizarras

Um dos mais paradigmáticos casos aconteceu em 2013, quando a norueguesa Marte Dalelv reportou uma violação durante uma viagem de negócios ao Dubai. A queixa na polícia virou-se contra a jovem de 24 anos, que foi acusada de perjúrio, de consumo de álcool e de praticar sexo extra-matrimonial.

Condenada a 16 meses de prisão, o seu caso fez notícia por todo o mundo e a pressão internacional ajudou a que as autoridades dessem um passo atrás. Foi a intervenção direta do xeque Mohammed al-Maktoum que permitiu a sua libertação após quatro longos meses de detenção.

As perigosas leis do Dubai que podem transformar uma viagem de sonho num pesadelo (2)

O caso de Dalelv, em 2013, despertou a atenção de todo o mundo

A lei só viria a ser alterada anos mais tarde, no final de 2020, quando os EAU finalmente avançaram com a alteração do código penal que despenalizaria casos de sexo fora do casamento, de coabitação — até aqui, era proibido que homem e mulher partilhassem o mesmo quarto sem que fossem casados, algo que era normalmente ignorado pelos hotéis frequentados por turistas — e de relações entre pessoas do mesmo sexo.

A lei chegou tarde para Iryna Nohai e Emlyn Culverwell que em 2017 recorreram aos serviços hospitalares no Dubai. As cãibras abdominais levaram a ucraniana ao médico que, após análise, detetou uma gravidez.

O que poderia ser uma boa notícia para os noivos transformou-se num pesadelo quando o hospital chamou as autoridades. Sem certificado de casamento que pudessem apresentar, foram imediatamente detidos por manterem relações pré-maritais. O caso acabaria por se resolver e, ao fim de poucos dias de detenção, as queixas acabariam por ser retiradas.

Jamie Harron apanhou um avião rumo ao Dubai em 2017 para tirar partido de umas férias diferentes na grande metrópole do Médio Oriente. Durante uma visita a um bar habitualmente frequentado por hom*ossexuais — embora seja ilegal no país, existem vários bares e espaços conhecidos pela sua comunidade gay —, terá tocado na anca de outro homem, segundo o próprio na tentativa de atravessar a multidão sem deixar cair as bebidas.

O homem que foi tocado apresentou queixa nas autoridades, que detiveram o escocês de 27 anos. Apesar da retirada da queixa por parte da suposta vítima, as autoridades não travaram o processo e acusaram Harron de atentado ao pudor.

Detido em julho, acabaria por receber sentença em outubro, que o condenaria a três meses de prisão. Mais uma vez, a peculiaridade do caso fez manchetes internacionais e o governo interveio. Harron regressou a casa, não sem antes ter passado três meses infernais no Dubai, que lhe custaram perto de 30 mil euros em custas judiciais e a perda do emprego.

“As pessoas vão [ao Dubai] e a fachada que encontram aponta para que tudo o que se faz é legal. Toda a gente o faz, pensa-se que não há problema. Mas depois ofende-se a pessoa errada e paga-se o preço”, nota Stirling.

Em certos casos, não precisa de haver sequer um ofendido, como percebeu o australiano Scott Richards. A viver no Dubai com a família, o consultor para o desenvolvimento económico era um expatriado exemplar. Os problemas surgiram quando, inocentemente, partilhou nas redes sociais uma campanha de angariação de fundos de uma fundação norte-americana, que procurava doações para entregar roupas a crianças afegãs.

A simples partilha valeu-lhe uma visita das autoridades, que o detiveram imediatamente. Segundo a lei dos EAU, é estritamente proibido promover ações de caridade de entidades não registadas no país — uma lei polémica, introduzida em 2015, e que previa penas de prisão de dois meses a um ano e multas até aos 20 mil euros.

Richards foi detido e, durante 22 dias, permaneceu preso a aguardar acusação. Só lhe era permitida uma muda de roupa por semana e era obrigado a pagar pela própria água que consumia. O padrão repetiu-se: a acusação chocou a imprensa internacional e o australiano acabou por ser libertado sob fiança ao fim de 22 dias, antes das autoridades anunciarem que não avançariam com o processo.

Embora a maioria dos casos não terminem na prisão e no cumprimento da pena, os processos morosos podem arrastar-se durante semanas e meses e acarretar custos de milhares de euros. Foi o que aconteceu a Peter Clark em abril, depois de uma viagem de Las Vegas até ao Dubai.

Já nos EAU, o turista adoeceu com uma pancreatite, que o levou ao hospital onde foi sujeito a análises ao sangue. Os resultados, que despistam também a existência de drogas, detetaram vestígios de canábis — que Clark viria a confirmar, depois de revelar ter fumado legalmente no seu país ainda antes do voo.

O hospital contactou imediatamente a polícia, que deteve o americano. Foi acusado de posse de drogas, apesar de não ter qualquer tipo de estupefaciente consigo, à exceção dos vestígios que ainda lhe corriam no sangue — no limite, o consumo de canábis pode ser detetado nas análises até 25 dias após o consumo. O caso acabaria por não avançar, mas não impediu que Clarke ficasse detido durante dois meses, com as custas judiciais a ultrapassarem os 40 mil euros.

Nem só as ditas drogas podem colocar os turistas em perigo. Alguns medicamentos habitualmente usados nos países ocidentais são ilegais no Dubai. Em 2018, um britânico passou cinco semanas na prisão por ter na sua posse “demasiados” compridos para a depressão.

Apesar de ter consigo a receita média que garantia que precisava de tomar os três remédios para a ansiedade, e apesar de serem legais nos EAU, Perry Coppins foi preso. Nem o facto de ter alegado que necessitava deles para uma viagem de meio ano no mar demoveu as autoridades, que só cederam após pressão internacional. Nessas cinco semanas, Coppins foi impedido de tomar a medicação, o que provocou uma série de sintomas de desabituação.

Também por este motivo, os turistas que viajem para os EAU são aconselhados a consultar a lista de medicamentos não-autorizados do Ministério da Saúde, onde se encontram por exemplo analgésicos que contenham codeína, alguns remédios para a artrite e até alguns sprays nasais.

Entretanto, a luta de Hood pela liberdade continua, apesar das muitas críticas ao Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico que, garante, está a dar apoio consular ao caso.

“As pessoas têm que perceber as leis, que podem ser um pouco confusas e inesperadas”, explica Stirling. “A maioria dos visitantes dos EAU está a violar leis locais a partir do momento que chega.”

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